sábado, janeiro 15, 2005

1. Ataxia - "Automatic writing"

Os Ataxia são John Frusciante, Josh Klinghoffer e Joe Lally, dos Fugazi. "Automatic writing" foi criado e gravado entre dois concertos, durante 4 dias em estúdio. Realmente soa a uma longa jam session. Linhas de baixo e baterias repetitivas, riffs espasmódicos de guitarra, muito poucos efeitos e overdubs e 5 temas que se estendem por 45 minutos.
Já expliquei em outro post que a característica mais marcante da música de Frusciante (e Klinghoffer) é o "feeling" que transmite. Aqui nada é feito com superficialidade, nem mesmo com facilidade. Cada acorde é arrancado do fundo da alma. É um álbum cheio do sentimento que os americanos chamam "guts". Em bom português é música com tomates.
Descrito assim, "Automatic Writing" é um álbum de rock/blues criado num peculiar ambiente de entendimento entre três amigos a dar largas à imaginação. Não faz grande sentido descrever de outra forma as músicas, com excepção do épico "Montreal", que encerra o álbum.
"Montreal" é uma das canções que me vai acompanhar para o resto da vida. Eu ainda sinto um arrepio quando oiço Frusciante rosnar "i was looking for an answer / that i'd never find in you / what a stupid thing to do" no tom mais angustiado e enraivecido que é possível imaginar. Se pensarmos na sua história pessoal, não é difícil imaginar as vezes em que ele pensou nestas palavras. Só este ensemble hipnótico de 12 minutos já valeria uma citação nas páginas doiradas da música pop.
Já me aconteceu ouvir "Automatic writing" de uma ponta a outra e no final não me conseguir lembrar que horas eram nem o que estava a fazer antes, nem o que queria fazer a seguir. Este CD resiste ao ouvinte, e não deixa entrar qualquer um. E a viagem não é fácil, e por vezes é agreste. Se o conseguirem, no entanto, prometo muitas recompensas. Álbum do ano.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

2. Arcade Fire - "Funeral"

O que dizer quando a música quer ser mais que música? Quando pretende sublevar a alma, quando quer alcançar um lugar em cada uma das pessoas que a ouve? "Funeral" é um disco que atinge este ponto em que as palavras dificilmente descrevem as sensações.
Tomado literalmente, este álbum é declaração de luto. Foi escrito e gravado entre 3 funerais relacionados com diferentes membros da banda. Consegue ser emocional sem nunca caminhar para o sentimentalismo ou fatalismo.
As secções de cordas que acompanham a banda em quase todos os temas emprestam um clima quase cinematográfico, mas ao mesmo tempo inteiramente pop, audível e consumível.
As comparações foram já feitas quando escrevi a primeira vez sobre "Funeral", em 29/12. Como alguma das grandes obras da música pop, este é um álbum que quer emocionar, e emociona.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

3. Modest Mouse - "Good news for people who love bad news"

Os Modest Mouse funcionam como uma espécie de antena de muito do que de bom aconteceu na música pop nos últimos 25 anos. Se juntassemos os espíritos dos Talking Heads, Clash e Madness na mesma banda teríamos um agrupamento semelhante.
"Good news..." é antes de tudo um álbum de canções pop. Seria uma colectânea de singles, se a indústria e o público soubessem o que é uma boa canção pop. A maneira como o CD flui no leitor é testemunho da facilidade com que a banda constrói música. Nenhum tema é esquecível, nenhuma canção acaba sem deixar um sabor a bom.
E, quando, como bónus, os Modest Mouse encarnam dEUS em "Bukowski", Tom Waits em "The devil's workday" ou Sonic Youth em "Blame it on the tetons", e safam-se com 20 valores, eu rendo-me. Excelente.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

4. Liars - "They were wrong, so we drowned"

O que se pode esperar de uma banda que conseguiu algum sucesso com um primeiro álbum que combina punk, funk e música dançável? Uma série de coisas, mas uma das menos prováveis será "They were wrong, so we drowned".
Os moços pegaram num conceito: a caça às bruxas (daí o título). Extraíram-lhe não só as letras, mas uma sonoridade negra, densa, obscura e pesada que cobre todo o álbum . Comecemos logo com "Broken witch" - sons dispersos, batida marcial e uma voz gritada por seis minutos que termina a clamar "blood blood blood". Felizmente os Liars não buscaram influências sonoras em nenhum dos movimentos que naturalmente exploram os domínios do oculto e sobrenatural; este álbum guarda ainda o rock, punk e o ritmo (quase) dançável do primeiro. Mas fá-lo de uma forma tão surpreendente que é impossível a indiferença. Mais do que um exercício de estilo, é uma delícia para a cabeça e as pernas. Vivamente recomendado.

terça-feira, janeiro 11, 2005

5. John Frusciante - "Inside of emptiness"

Frusciante e Josh Klinghoffer gravaram e misturaram "Inside of emptiness" em 6 dias. É claro na audição da obra que uma boa parte desta gravação foi feita "em directo" no estúdio. Os erros e as imperfeições estão lá todos, mas também o sentimento impregna cada um dos temas. Este não é um registo para virtuosos, e embora Frusciante seja considerado em dos guitarristas melhor dotados tecnicamente no pop actual, põe esta técnica ao serviços de canções enormes. Este não será o trabalho a solo do guitarrista dos Red Hot Chilli Peppers, mas sim a obra de um músico a tempo inteiro.
Para este registo, Frusciante tentou aproximar "White light/white heat" dos Velvet Underground e "Lust for life", de Iggy Pop, no que diz respeito à produção. O que podemos esperar então? Um álbum que pretende recriar o ambiente do final da década de 60 para a música pop, ou seja, canções assentes numa forte base melódica com experimentação q.b. Frusciante joga tudo no seu talento como compositor; "What i saw", "Inside a break" e "Scratches" serão disso os melhores exemplos. E neste álbum, tal como nos anteriores a solo, ressalta a sua qualidade como letrista, num tom intimista a aproximar deveras a escrita de Morrissey, quando ainda nos Smiths.
Numa palavra: imperdível.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

6. Electrelane - "The power out"

Este é daqueles discos de amar ou odiar. Desde logo, é um segundo álbum que nada tem a ver com o primeiro. Enquanto "Rock it to the moon" (2001) era um ensemble instrumental de guitarras, "The power out" brinca com vários registos. Desde o guitar-pop com teclados à mistura de "Gone under sea", o two-tone de "On parade", o hino gospel "The valleys" até à construção sónica de "This deed", os vocais indefiníveis levantam a questão: isto é mesmo a sério?
As Electrelane caminham sobre a débil divisão entre o genial e o banal. De quando em quando resvalam ligeiramente para a paródia, mas na maioria das vezes surpreendem largamente. O que se segue? Serão capazes de se reinventar ou apostarão numa sucessão? Veremos.

domingo, janeiro 09, 2005

7. Mão Morta - "Nús"

"Primavera de destroços" (2001) ainda tinha deixado dúvidas sobre a carreira dos Mão Morta. Seria um regresso em força ou o último suspiro antes do fim? "Nús" desfaz a questão. Além do energético retorno à melhor forma, a digressão que a banda iniciou com a apresentação do álbum e que prossegue sem fim à vista confirma os Mão Morta como a melhor banda portuguesa de sempre e o grande nome do nosso panorama musical. É curioso que num álbum que pretende ser "conceptual", se apresente um resumo da obra da banda. Aliás, o primeiro tema, "Gumes" é em si um apanhado de 25 minutos de rock, pop, valsa, experimentalismo e spoken-word, ou seja, todas as armas de que os músicos dispõem. O desfile continua com os pontos altos em "Vertigem" - sempre a rock'n'rollar - e "Estilo" - mais uma textura musical para o verbo insurrecto de Adolfo Luxúria Canibal. Ironicamente, os elos mais fracos de "Nús" surgem nas participações especiais: Miguel Guedes e Marta Ren não estão à altura dos nossos heróis. Em resumo, o melhor dos Mão Morta desde a saída de Carlos Fortes e, de muito longe, o melhor álbum português de 2004.